Conta a história que havia um mercador de antiguidades em Tokyo (muito reconhecido e rico), chamado Fushimiya , que um certo dia foi a uma casa de chá. Depois de se deliciar com o seu chá, ele apreciou aquela chávena e acabou por levá-la com ele. Vendo isto, um artesão local correu atrás dele, querendo comprar-lhe a chávena de chá. Fushimiya explicou que não era uma chávena valiosa acabando por oferecê-la grátis. Convencido do contrário, o artesão buscou vendê-la por alto preço mas vendo que todos lhe diziam que não tinha valor voltou a Tokyo para procurar Fushimiya. Ao perceber que tinha causado dor ao artesão e por bondade este comprou-lhe a chávena de volta por 100 pedaços de ouro. Assim o artesão foi, em paz e sem obsessão por uma chávena de chá, sem qualquer valor.
Esta história espalhou-se rapidamente, afinal, uma chávena pela qual ele tinha dado 100 pedaços de ouro deveria valer muito mais e mesmo explicando o que tinha acontecido, a fama da chávena preciosa alastrou-se cada vez mais. Uma vez mais, aquela chávena estava a ser uma obsessão e Fushimiya decidiu colocá-la à venda. Dois dos homens que queriam comprá-la por 200 pedaços de ouro começaram a discutir perto do local onde a chávena estava e esta caiu no chão partindo-se em vários pedaços. Assim a venda ficou cancelada e cada um foi à sua vida.
Fushimiya, era um homem habilidoso e acabou por reparar a chávena a qual tinha já uma bela história.
Anos mais tarde, um mestre da arte do chá chamado Matsudaira Fumai visitou a loja e pediu para ver a chávena (realmente a história ficou famosa!) acabando por comprá-la por um preço muito mais elevado pois agora tinha um valor muito superior a quando foi criada.

Quando nascemos somos uma chávena perfeita. Não só nós mas tudo o que acontece pela primeira vez – relações, casa nova, carro novo, até habilidade nova. Com o passar do tempo nós envelhecemos e como tal adquirimos cicatrizes e por vezes somos mesmo estilhaçados. (Existe um poema no separador de Material grátis para dar coragem sobre isto). Com estas marcas todas, por vezes torna-se mais difícil aceitarmo-nos e a nossa auto-estima, se não tivermos cuidado caí com cada marca de borbulha, cada queda no chão ou da dor dos que já partiram. Por vezes, acabamos por mandar para o lixo habilidades nossas, pessoas, relações por pensarmos que depois de tanto pedaço partido nada mais há a fazer. É aquela actriz que se ter enganado e falhado 4 vezes, coloca a representação de lado.

Clarissa Pinkola Estés, uma psicóloga muito envolvida com trabalho psíquico e em grupos entre mulheres criou o que se chama “capa das cicatrizes”. Ela pediu, às mulheres do grupo dela para comprarem capas normais / casacos e, cada uma teria que colocar estampados, cozer ou colar coisas que simbolizassem cicatrizes que durante a vida as partiram em cacos. Muitas destas coisas podiam ter acontecido à anos, muitos anos mas, não importava, cada uma deixa uma marca. Esta experiência desmistificou as situações porque quando falamos libertamos. E com cada capa diferente, as mulheres percebem que são peças únicas e bonitas.

O que fazer com o que em nós já partimos?

No Japão existe o hábito, sendo considerado uma arte de reparar porcelana que foi partida. Eles não reparam de uma forma qualquer, eles usam uma mistura feita com ouro e assim a peça aumenta o seu valor depois de ter sido partida. Esta arte chama-se Kintsugi e podem ver um exemplo na imagem em baixo.

kintsugi-blue-bowl-1b

 

Esta arte valoriza a história e o processo. Mostra que podemos criar algo melhor depois de algo não ter corrido bem ou mesmo em velhice, com todas as marcas do Sol e de guerra. 

Como Sun Tzu disse:

“Nenhum campo sobrevive ao Campo de Batalha” – Arte da Guerra

Acredito que a prespetiva com que olhamos os fatos (positiva ou negativa) muda a nossa vida e como a vivemos. Cicatrizes são a nossa história e como no Kintsugi. Quem passa por grandes sofrimentos tem duas opções : tornar-se alguém que compreende melhor o sofrimento do outro (mais humano) ou deixar que isso o defina e, levar a cicatriz amargurado e ressentido, a achar-se  vítima.

Todos nos estamos a ganhar cicatrizes e isso só nos faz mais distintos, corajosos e sábios.

No fundo, se estivermos sempre a ter , saltar para algo novo nunca chegamos à profundidade de nada. Imaginem estarem sempre a nascer de novo (?), nunca teriam a sabedoria e experiência que tem hoje porque tudo isto vem com a profundidade que encontramos no sofrimento. Por isso, sejam gratos e aceitem-se com todas as marcas e cicatrizes. Sejam bravos o suficiente para se voltarem a curar com ouro, porque tem valor e depois de se curarem vão poder dar um valor infinito a quem está a quebrar-se.

@Ana

 

Algumas referências:

A beleza do caminho imperfeito
48 Laws of Power

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